Kasiripina Wajãpi

Kasiripina Wajãpi em 2008. © Survival

É com grande tristeza que a Survival anuncia o falecimento de Kasiripina Wajãpi, que morreu de Covid-19 em 16 de janeiro em um hospital na cidade de Macapá (AP). Ele tinha cerca de 65 anos.

Caloroso, carismático e determinado, Kasiripina foi da geração de jovens Wajãpi que sobreviveram e viveram o difícil e desafiador período do primeiro contato com a sociedade não indígena. Muitos Wajãpi morreram em decorrência de doenças introduzidas por garimpeiros e caçadores na década de 1960. Pouco tempo depois, veio o “grandioso” plano da ditadura militar de construir a perimetral norte ao longo da fronteira norte do Brasil, atravessando muitos territórios indígenas, independentemente do impacto devastador que ela teria sobre os povos indígenas isolados, como os Wajãpi e Yanomami.

Em 1973, equipes da FUNAI entraram em contato pela primeira vez com os Wajãpi - que na época, antes da chegada das escavadeiras, eram cerca de 150 pessoas. E, embora a estrada tenha sido abandonada vários anos depois, 30 km penetraram no território dos Wajãpi facilitando a entrada ilegal de garimpeiros e outros invasores, e os expondo a doenças às quais tinham pouca ou nenhuma resistência.

Um dia no início dos anos 1970, caminhando pela floresta com seu amigo, o antropólogo Alan Campbell, Kasiripina se deparou com uma grande área desmatada onde escavadeiras haviam exposto a terra vermelha. Ele ficou atônito e exclamou “aramirã”. O nome ficou e Aramirã ainda é a base da FUNAI no território, onde também há um posto de saúde e uma escola.

Kasiripina, junto com seus companheiros Wajãpi, lutou com imensa determinação por seus direitos à terra, sabendo o quanto isso era fundamental para garantir o futuro de seu povo. Ele lembrava como os garimpeiros invadiram suas terras, enchendo-os de presentes antes que as doenças os atacassem, e como os Wajãpi foram quase exterminados.

Kasiripina Wajãpi e sua família, em 2008 © Survival

Com extraordinária tenacidade e coragem, e sem apoio da FUNAI, os Wajãpi conseguiram expulsar os garimpeiros na década de 1980 e lançaram uma campanha pela demarcação de sua terra. Em 1989, juntos dos indígenas Wai Wai e Kumai, Kasiripina fiz uma longa viagem até Brasília para se encontrar com autoridades e pressionar pelos seus direitos. Em 1994, os Wajãpi iniciaram a autodemarcação coletiva de seu território, que foi finalmente ratificada pelo governo em 1996.

Kasiripina foi membro fundador da organização Wajãpi APINA, criada em 1994. Ele abraçou a tecnologia e era um cinegrafista talentoso. Ele estava particularmente interessado em mostrar aos mais jovens a importância de valorizar a cultura e a língua Wajãpi, e a independência de seu povo diante dos ataques crescentes de políticos contra os direitos indígenas, e das tentativas de missionários fundamentalistas de evangelizar os Wajãpi.

Ele também percebeu o poder dos vídeos como ferramenta para educar a sociedade não indígena sobre a riqueza da cosmologia Wajãpi. Contador de histórias nato, filmou e dirigiu “Jane Moraita, Nossas Festas” que contou com diversos rituais Wajãpi. Ele também documentou muitos dos discursos do Wai Wai, um dos principais líderes Wajãpi, e o acompanhou na primeira visita dos Wajãpi aos recém-contatados Zo'é, para alertá-los sobre os perigos dos karaico (não indígenas). O projeto “Vídeo nas Aldeias” filmou a viagem e lançou o filme “A Arca dos Zo’é”.

Kasiripina Wajãpi lendo a Ação Urgente da Survival, em 1998. © Fiona Watson/Survival

Kasiripina foi um grande embaixador dos Wajãpi e viajou para a Alemanha, Noruega e Estados Unidos para divulgar os projetos de sua comunidade. No entanto, ele provavelmente era mais feliz em sua aldeia, Mariry. Ali ele viveu com sua extensa família em uma grande casa aberta sobre palafitas, cultivando legumes e frutas em sua roças na floresta, pescando e caçando.

A personalidade amável de Kasiripina, sua tolerância e resiliência ficaram evidentes quando ele e uma amiga brasileira chamaram um táxi na cidade de Macapá. O motorista diminuiu a velocidade, viu um que era um “índio” e acelerou. Sua amiga ficou indignada com esse flagrante racismo, mas Kasiripina apenas comentou: “Os karaico (não indígenas) não gostam de índios. Não se preocupe, há muito mais táxis por aí.”

Kasiripina sofreu perdas devastadoras no início de sua vida quando sua primeira esposa, e depois a segunda esposa e seus dois filhos pequenos morreram. No entanto, ele encontrou a felicidade com Taema, sua terceira esposa e seus cinco filhos, 15 netos e um bisneto.

Lembraremos Kasiripina por sua inspiração, sua capacidade de transcender a adversidade, seu humor e sua humanidade, e enviamos nossas sinceras condolências à Taema e família.

 

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