Há cerca de 305 povos indígenas no Brasil, totalizando aproximadamente 1.7 milhões de pessoas, ou 0,8% da população do país.
Da Amazônia à Mata Atlântica e áreas urbanas, eles vivem por todo o país, com muitos modos de vida diferentes.
Muitos estão sofrendo com a invasão e o roubo de suas terras, das quais dependem para sobreviver.
O governo reconhece 690 territórios indígenas, que abrangem mais de 13% do território brasileiro. Quase todas estas terras se encontram na Amazônia.
Mas, apesar de grande parte dos indígenas brasileiros viver fora da Amazônia, eles ocupam somente 1,5% da área total do restante do país.
Os primeiros povos a serem contatados pelos colonizadores europeus quando desembarcaram no Brasil em 1500 foram os que vivem na região sul da Mata Atlântica, como os Guarani e os Kaingang, e no interior e litoral do Nordeste, como os Pataxó Ha Ha Hãe e os Tupinambá.
Apesar de centenas de anos de contato com a sociedade não indígena e enfrentando o roubo e a invasão de suas terras, a maioria dos povos indígenas lutaram e têm lutado para manter sua língua e seus costumes.
O povo mais numeroso é o Guarani, mas hoje eles têm pouquíssima terra. Durante os últimos 100 anos, uma enorme parte de suas terras foi roubada e transformada em vastas áreas de pasto e de plantação de soja e cana-de-açúcar. Muitas comunidades estão morando em terras superlotadas e outras vivem sob lonas na beira das estradas. Seus líderes estão sendo sistematicamente atacados e mortos por milícias contratadas por fazendeiros que querem evitar que os indígenas ocupem suas terras ancestrais. Muitos Guarani cometem suicídio em desespero pela falta de perspectiva de futuro.
O povo indígena com o maior território é o Yanomami, que vive relativamente isolado com uma população em torno de 30 mil indígenas no Brasil e ocupa 9,4 milhões de hectares no norte da Amazônia.
O maior povo indígena da Amazônia no Brasil é os Tikuna. A menor inclui os Akuntsu, que são três mulheres - as últimas sobreviventes de décadas de massacres cometidos por fazendeiros e outros invasores - e os indígenas isolados Piripkura, que são ameaçados por madeireiros ilegais e que ainda aguardam a demarcação de suas terras.
Povos Indígenas Isolados
O Brasil é o lar de mais povos indígenas isolados do que qualquer outro lugar do planeta. Estima-se que mais de 100 povos isolados vivam na Amazônia brasileira. Alguns possuem centenas de pessoas e vivem em áreas remotas do estado do Acre e em territórios protegidos, como o Vale do Javari, na fronteira com o Peru. Outros são grupos menores e dispersos, sobreviventes de povos quase inteiramente dizimados pelos impactos causados pela expansão da agricultura e pela extração da borracha em décadas anteriores. Muitos, como os nômades Kawahiva, que são algumas dezenas, estão fugindo de madeireiros e fazendeiros que invadem suas terras.
Com a forte pressão para explorar suas terras, todos os povos indígenas isolados são extremamente vulneráveis, tanto a frequentes ataques violentos como a doenças comuns, como gripe e sarampo, contra as quais eles não possuem imunidade.
Modos de Vida
A maioria dos povos indígenas vive completamente das florestas, através de uma mistura de caça, coleta e pesca. Eles cultivam plantas que utilizam como alimentos e medicamentos, e também usam a vegetação para construir casas e fazer objetos do cotidiano.
Alimentos básicos, como mandioca, batata-doce, milho, banana e abacaxi, são cultivados em roçados. Animais como queixadas, antas, macacos e aves, como o mutum, são caçados para a alimentação.
Alguns povos, como os Matis, usam zarabatanas com dardos envenenados para capturar a caça. A maioria usa arco e flecha, e alguns também usam espingardas. Castanhas e frutas, como o açaí e a pupunha, são regularmente colhidas. O mel de abelhas também é extraído e serve de alimento.
O peixe é um alimento importante, particularmente na Amazônia. Muitos povos indígenas usam um veneno natural chamado timbó para atordoar e capturar peixes. Os Enawenê Nawê, que não comem carne vermelha, são famosos pela construção de barragens de madeira chamadas waitiwina, que constroem todo ano em pequenos rios para pegar e defumar grandes quantidades de peixes. Sua cerimônia Yakwa, ligada a essas barragens, foi reconhecida pela UNESCO em 2011 como Patrimônio Imaterial do Brasil.
Alguns povos, como os Awá, os Maku e alguns povos isolados, são caçadores-coletores nômades. Eles vivem em pequenos grupos familiares e mantêm poucas posses, o que lhes permite mover rapidamente na floresta. Eles constroem abrigos com materiais retirados de árvores, como folhas de palmeira, em apenas algumas horas.
Como todos os povos indígenas, eles carregam mapas mentais incrivelmente detalhados da terra e topografia, da fauna e flora, e dos melhores lugares para caça. Os Awá às vezes caçam durante a noite usando tochas feitas de resina retirada da árvore maçaranduba.
Conhecimento Etnobotânico e o Papel da Conservação Ambiental
Os povos indígenas têm um inigualável conhecimento da fauna e flora, e desempenham um papel crucial na conservação da biodiversidade.
De acordo com estudos científicos, as terras indígenas são atualmente a mais importante barreira contra o desmatamento da Amazônia.
Em alguns estados, como no Maranhão, as últimas áreas remanescentes de floresta se encontram apenas em territórios indígenas, como na terra dos Awá, mas estão sob enorme pressão de intrusos.
O papel dos povos indígenas na conservação da rica biodiversidade das florestas brasileiras é vital.
Os Yanomami cultivam 500 plantas que utilizam como alimento, medicamento, na construção de casas e para outras necessidades. Eles usam 9 espécies diferentes de plantas só como veneno de peixe. Já os Tukano conhecem 137 variedades de mandioca.
O guaraná, fruto que dá origem à bebida onipresente no Brasil, era conhecido pelos indígenas Sateré Mawe muito antes de ser comercializado. Eles torravam as sementes, trituravam, misturavam o pó com água, e bebiam antes de sair para a caça. O guaraná garantia que não sentiriam fome e teriam energia suficiente para realizar a caça.
Muitos povos indígenas brasileiros, como os do Parque do Xingu, os Yanomami e os Enawenê Nawê, vivem em malocas que são grandes casas comunais que abrigam famílias extensas e onde eles amarram redes e dividem a comida em torno de lareiras familiares.
Xamanismo e o Mundo Espiritual
Como os povos indígenas de todo o mundo, os indígenas do Brasil têm conexões espirituais muito profundas com a terra. Isso se reflete em suas ricas histórias orais, na sua cosmologia, em seus mitos e rituais.
Alguns grupos usam plantas alucinógenas que os permitem viajar para outros mundos, se conectar com espíritos e, até mesmo, curar doenças. Isto não é feito por diversão e são necessários anos de treinamento para iniciar o uso.
Xamãs Yanomami inalam yakoana ou yopo, um rapé alucinógeno, para chamar seus espíritos xamânicos, os xapiri. Os xapiri têm um papel crucial nas cerimônias de cura e durante a reahu, ou festa funeral, quando as comunidades se reúnem para consumir as cinzas de parentes falecidos.
Os xamãs de povos como os Kaxinawá e Ashaninka bebem ayahuasca, uma bebida feita a partir da videira caapi, durante as sessões de cura. Outros, como os Araweté e Akuntsu, fumam tabaco ou o inalam como rapé.
Alguns, como os Awá, não tomam estimulantes nem alucinógenos, mas entram em transe através do poder da dança rítmica e viajam para o iwa, ou morada dos espíritos, onde se encontram as almas dos antepassados e os espíritos da floresta, os karawara.
Entre os mais diversos povos indígenas, a transição da infância para a idade adulta é muitas vezes marcada por cerimônias. Quando uma garota Tikuna menstrua pela primeira vez, ela é pintada de preto com tinta de genipapo e adornada com penas de águia. Ela canta, dança e pula sobre fogo por até quatro dias quase sem dormir. Depois, vai para o isolamento que dura vários meses. Nesse período, ela é ensinada sobre a história de seu povo e informada de suas futuras responsabilidades.
Os povos do Xingu são famosos por cerimônias fúnebres em homenagem aos líderes mortos, que são representados por troncos de madeira decorados chamados kwarup.
História
A história dos povos indígenas do Brasil tem sido marcada pela brutalidade, escravidão, violência, doenças e genocídio.
Quando, em 1500, os primeiros colonos europeus chegaram à terra que é hoje chamada de Brasil, ela era habitada por um número estimado de 11 milhões de indígenas que viviam em cerca de 2.000 grupos. No primeiro século de contato, 90% dos indígenas foram exterminados, principalmente por meio de doenças trazidas pelos colonizadores, como a gripe, o sarampo e a varíola. Nos séculos seguintes, milhares de vítimas morreram ou foram escravizadas nas plantações de cana-de-açúcar e na extração de minérios e borracha.
Na década de 1950, a população tinha caído para um número tão baixo que foi previsto que nenhum indígena sobreviveria até o ano de 1980. Estima-se que, em média, um povo se tornou extinto a cada ano entre 1900 e 1957.
Em 1967, um procurador federal chamado Jader Figueiredo publicou um relatório de 7.000 páginas que catalogou milhares de atrocidades e crimes cometidos contra os povos indígenas, incluindo assassinatos, roubos de terra e escravidão.
Em um caso notório conhecido como “o massacre do paralelo 11”, um barão da borracha ordenou que seus homens arremessassem dinamite em uma aldeia indígena do povo Cinta Larga. Aqueles que sobreviveram ao ataque foram assassinados por seringueiros que os atacaram com facões.
O relatório estampou manchetes internacionais e levou à dissolução do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). O SPI foi então substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão que continua a ser o departamento de assuntos indígenas do governo.
A Survival International foi fundada em 1969 em reação a um artigo do jornalista Norman Lewis na revista Sunday Times sobre o genocídio dos indígenas brasileiros.
Quando a Amazônia foi aberta pelos militares entre 1970 e 1980, uma nova onda de construção de hidrelétricas e estradas e o desenvolvimento de atividades de pecuária e mineração significou que dezenas de milhares de indígenas morreram ou tiveram suas terras roubadas. Dezenas de povos indígenas foram aniquilados neste período.
Depois de mais de 20 anos de ditadura militar, uma nova constituição foi redigida em 1988 e os indígenas e seus apoiadores fizeram pressão por mais direitos.
Desde então, eles têm conseguido muitos avanços, embora ainda não gozem dos direitos territoriais que têm garantidos na Constituição e na lei internacional.
Desafios Atuais e Ameaças
Por mais de 500 anos, desde que os europeus chegaram ao Brasil, os povos indígenas enfrentam o racismo, roubo de terras, integração forçada e violência genocida.
Entre 2019 e 2023, o governo de Jair Bolsonaro tentou acabar com os direitos dos povos indígenas, enfraquecendo drasticamente a FUNAI e impulsionando o roubo de terras indígenas pelo agronegócio e por indústrias extrativistas como a mineração.
A retórica e as ações anti-indígenas e genocidas de Bolsonaro levaram a um aumento catastrófico na frequência e gravidade dos ataques contra comunidades indígenas e assassinatos de indígenas.
O atual governo do presidente Lula chegou ao poder em meio a promessas de apoiar os povos indígenas e defender seuss direitos territoriais. O novo governo criou o Ministério dos Povos Indígenas, e alguns povos indígenas foram nomeados para cargos importantes no governo.
Mas a luta continua: territórios indígenas ainda estão sendo invadidos e destruídos a taxas alarmantes e o governo não está demarcando e protegendo os territórios como se esperava. O lobby dos ruralistas no Congresso e seus interesses econômicos ainda permanecem fortalecidos. Mas ao redor do país, povos indígenas, incluindo povos indígenas isolados, continuam resistindo para proteger e recuperar seus territórios.
Organizações e Resistência Indígena
Os povos indígenas estão lutando pela proteção de suas terras, pela defesa de seus direitos — consagrados na legislação nacional e internacional — e por sistemas de saúde e educação que funcionem de acordo com suas culturas e tradições.
Hoje, existem mais de 200 organizações indígenas que estão lutando para defender seus direitos duramente conquistados: a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); organizações regionais e locais como a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), a Associação dos Guarani Kaiowá (Aty Guasu), e muitas outras.
Também existem outras iniciativas indígenas ao redor do país como os Guardiões da Amazônia que estão colocando suas vidas em risco para proteger a floresta da destruição.
Muitos povos indígenas executam seus próprios projetos, como escolas bilíngues e museus, escrevem livros, fazem filmes e gravam vídeos de seus rituais e cerimônias. Outros trabalhos incluem a preservação de bancos de sementes para a diversidade genética dos alimentos e a criação de redes de comunicação indígena, como a Mídia Indígena, que facilitam o compartilhamento de notícias e informações entre os povos e para audiências nacionais e internacionais.
Há décadas, indígenas organizam manifestações em suas regiões e em Brasília para levar suas demandas ao governo e às empresas que estiverem violando seus direitos. No dia 31 de janeiro de 2019, os povos indígenas do Brasil lideraram a maior manifestação internacional pelos direitos indígenas de todos os tempos. Esta data está marcada para sempre como um dia histórico de luta e resistência dos povos indígenas. A luta continuará até que os direitos indígena sejam respeitados e os territórios protegidos.
How does Survival help?
Desde 1969, a Survival, ao lado de povos indígenas, tem lutado pela garantia dos direitos indígenas desses povos.
Estamos lutando pela proteção dos territórios dos Kawahiva, dos Awá e de outras povos indígenas isolados - que dependem inteiramente de suas florestas para sua sobrevivência - pela remoção dos garimpeiros ilegais da terra Yanomami, pela devolução aos Guarani das terras que foram roubadas para o agronegócio aos Guarani, e por outros povos indígenas em todo o país.
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