“As portas estão abertas”: indígenas denunciam missionários por ameaça contra povos indígenas isolados
12 março 2020
Esta página foi criada em 2020 e talvez contenha linguagem obsoleta.
Missionários visando entrar em contato com povos indígenas isolados no Brasil anunciaram que em breve vão começar a usar um helicóptero para tentar converter povos antes inacessíveis.
Organizações e líderes indígenas denunciaram a manobra, juntamente com a nomeação de um missionário fundamentalista, Ricardo Lopes Dias, para chefiar o setor da FUNAI que protege os territórios dos povos indígenas isolados.
Lopes Dias trabalhou por anos para um dos maiores grupos missionários evangélicos, a Missão Novas Tribos (MNT), no Vale do Javari (AM), local com a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo.
A MNT (agora renomeada para “Ethnos360” nos EUA) abertamente angariou fundos para comprar um helicóptero que facilitasse o acesso a povos da região. Eles disseram: “Esse novo programa de voos por helicóptero vai possibilitar a Aviação Ethnos360 a servir todos os nossos atuais missionários na região e abrir a porta para alcançar mais dez grupos vivendo em extremo isolamento”.
A MNT é conhecida por abertamente encorajar o contato forçado com povos indígenas isolados. A organização ajudou a organizar, nos anos 1970 e 1980, ‘caçadas humanas’ no Paraguai quando indígenas Ayoreo eram capturados e forçados para fora das florestas: muitas pessoas foram mortas nesses contatos, e muitas outras morreram depois em decorrência de doenças.
O presidente da Missão Novas Tribos do Brasil disse: “Tem que haver uma política de aproximação desses povos”.
Líderes indígenas do Vale do Javari denunciaram a investida dos missionários como “etnocida e genocida”. Eles afirmam que essa ação conjunta dos missionários e do governo é como “abrir as portas” das terras indígenas.
A coordenadora da campanha da Survival para a proteção das terras dos povos indígenas isolados, Sarah Shenker, disse hoje: “Agora ficou claro que há uma decisão consciente do governo brasileiro de abrir as terras indígenas para missionários evangélicos. Isso é um passo fundamental no plano de roubar suas terras e explorar ouro, minérios, madeira e outros recursos. Se esse projeto não for detido, muitos povos indígenas vão ser dizimados”.
Beto Marubo, líder indígena do Vale do Javari, disse: “Entre nós, Marubos, eles destruíram nossa organização social, nossa convivência. Surgiram divergências, além de desconstruírem o mundo em que fomos educados por milênios. A atuação missionária significará a perda total dos últimos povos isolados que temos no Vale do Javari”.
Indígenas Matsés, também do Vale do Javari, disseram: “O senhor Ricardo nunca teve autorização para entrar em nossa aldeia. Ele manipulou parte da população Matsés para que fosse fundada uma nova aldeia, chamada de Cruzeirinho. As lideranças tentaram ir até essa nova aldeia, em busca de um diálogo, mas foram expulsas com violência. […] Mais uma vez, ele tenta ingressar em nosso território. Não queremos novos abusos, por isso não permitiremos a entrada do senhor Ricardo".
Dezenas de vencedores do Prêmio Right Livelihood assinaram uma carta conjunta denunciando a nomeação de Ricardo Lopes Dias: “Seu passado evangélico levanta graves preocupações em relação à segurança dos povos indígenas isolados por interferências externas e de que Lopes Dias possa eliminar a política de referência do Brasil de não forçar contato com povos indígenas isolados”.
Stephen Corry, Diretor da Survival International, afirmou hoje: "A MNT tem um histórico de “caçadas humanas”, de contatos resultando em mortes e doenças, de abusos sexuais em suas escolas e de espalhar epidemias mortais. A MNT reforça uma visão limitada da religião que não seria reconhecida por muitos cristãos. Esses missionários são as últimas pessoas que deveriam estar minimamente próximas de povos indígenas isolados. Encarregar um deles do setor da FUNAI que lida com povos indígenas isolados é grotesco e criminoso".