Aparecimento de indígena isolado em comunidade ribeirinha da região do Mamoriá Grande (AM) gera preocupação
17 fevereiro 2025

Um indígena isolado da Terra Indígena Mamoriá Grande apareceu em uma comunidade ribeirinha na última semana. Após algumas interações com moradores locais, o indígena foi levado para a base da FUNAI na região. No dia seguinte, a FUNAI divulgou que o jovem já havia voltado para a floresta.
A existência do povo indígena isolado na região do rio Mamoriá, bacia do rio Purus, sudoeste do Amazonas, foi confirmada em agosto de 2021. Mas somente em dezembro de 2024, a FUNAI publicou a Portaria de restrição de uso do território, passo importante para o avanço da regularização da terra indígena.
Mas ainda há muito a ser feito até a completa demarcação do território. A sobrevivência desses indígenas isolados está sob ameaça, pois a região sofre com a invasão de pescadores e caçadores ilegais. Qualquer contato de indígenas isolados com pessoas de fora de seu grupo pode ser fatal. Fora o risco de um ataque violento, o encontro com estranhos pode expor esses indígenas a doenças como a gripe e a Covid-19 – doenças às quais os isolados não têm imunidade.
Zé Bajaga Apurinã, coordenador da organização indigena local FOCIMP (Federação das Organizações das Comunidades do Médio Rio Purus) disse: "A gente já vem, há muito tempo, pedindo a proteção daquele território. Fizeram a parte de interdição, mas isso não resolve. O que resolve mesmo é a demarcação. Aquele povo já não tem para onde ir mais. As pessoas invadindo, tirando a riqueza que tem dentro da terra, derrubando madeira, fazendo pesca, caça, de tudo ali dentro. E eles tão sufocados, eles tão ameaçados. Tem que fazer um cordão sanitário imediatamente ali e demarcar a terra urgentemente.”
O procurador federal Daniel Luis Dalberto, que atua na temática de indígenas isolados e estava na região antes do ocorrido, disse para o site À Pública: “A portaria é necessária à salvaguarda dos direitos humanos mais fundamentais, [para] evitar uma tragédia. É isso mesmo que estamos tratando. Vi com meus próprios olhos os riscos [a] que esses povos estão submetidos. O risco de genocídio ou extermínio, ainda que involuntário, é muito alto. O aparecimento do isolado reforça toda a necessidade dessa política de proteção que está posta na Constituição, nas portarias, nas leis.”
O indigenista e ex-coordenador da Coordenação-Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da FUNAI, Carlos Travassos disse para À Pública : “É um mosaico de áreas protegidas, tanto terras indígenas quanto unidades de conservação, mas existem lacunas de áreas que não são legalmente protegidas e que vêm sendo alvo de especulação fundiária, como grilagem. Foi muito importante a edição da portaria da Funai nesse sentido de proteção. Lembrando que ali é o final do arco do desmatamento, que são as regiões mais desmatadas da Amazônia Legal. Com certeza é uma região de muita pressão fundiária.”
Há anos a Survival vem alertando sobre a situação preocupante no território e o perigo para os povos indígenas da região, que até recentemente estavam completamente desprotegidos.
A diretora da Survival International, Caroline Pearce, disse hoje: “Esse ocorrido mostra como é essencial que esse território, assim como todos os territórios de povos indígenas isolados, seja devidamente demarcado e protegido com urgência. O governo levou anos apenas para emitir a Portaria de restrição de uso, mas a presença dos indígenas isolados nessa região é conhecida há décadas, e as ameaças à sobrevivência desse povo agora estão a todo vapor. É vital e urgente que a Funai e a Sesai coloquem em prática um plano de contingência para mitigar as possíveis consequências desse contato. Se isso não for feito de modo eficaz e imediato, esse contato poderá significar o extermínio desse povo isolado.”
Nota: a pesquisadora da Survival Brasil, Priscilla Oliveira estava na região junto com a FUNAI pouco tempo antes do aparecimento do indígena e está disponível para entrevistas.
